Trem Republicado

SOBRE TÉCNICOS E POLÍTICOS por Marilena Matiuzzi

Por Wellington Caposi em 15/01/2021 às 17:57:51

Um tema que é muito debatido em tempos de eleições, é que devem ser colocados "técnicos" em cargos políticos e que a "equipe de governo deve ser técnica e não política". Eu sei que há quem pense que se trata de um argumento moderno, mas não é. Desde que eu era menina e ia com meu pai nas reuniões políticas que, nos anos 60 e 70, aconteciam, aqui em Salto, na sede do sindicato que ele era filiado ou na cooperativa que ele frequentava (esta ficava onde hoje está instalada a Loja das Lojas Cem, na esquina da Rua 9 de julho com a Avenida Dom Pedro II), ou na igreja que ele frequentava, ouvia esse argumento, sobretudo quando um novo governo assumia o poder. Realmente, acreditem, não existe argumento mais tolo do que esse.

Na política é necessário que haja liderança, e liderança não significa ser sério, controlador, impositivo, forte, ditador, significa sim a combinação de outras qualidades: a preocupação em fazer ações que repercutam positivamente a longo prazo, claro que considerando os dados e as possibilidades do presente; a habilidade de dialogar e mobilizar seus subordinados e as pessoas daquela coletividade para atingirem seus objetivos; e a capacidade em alcançar resultados concretos e transformadores. Dizer que não se quer "políticos" na administração pública, é um modo de reforçar a ideia errada de que política é ruim.

Ora, a política deve contar com políticos bons, com liderança, e que se não tiverem conhecimentos técnicos, que saibam se assessorar de bons profissionais que falam esses serviços específicos. O termo "política" é derivado do grego antigo "politeía", que indicava todas as ações relativas à "pólis" (cidade-estado) e, hoje, por extensão; sociedade, coletividade, e outras definições referente à vida urbana. Político, portanto, é aquela pessoa que se preocupa com a coisa pública, que trabalha as demandas da sociedade e a ela serve.

O termo "politica" sofreu corrupção em seu significado, mas isso não altera sua importância e nem tampouco a diminui. O que acontece é que as pessoas confundem "política" com "projeto/manutenção no poder" e política de verdade deve ser o exercício da arte de estar a serviço da coletividade. O "poder" de quem ocupa um cargo político deve ser esse: o de servir e não o de se fartar de privilégios. Modernamente não temos que admitir em cargos políticos, pessoas que estão ali com o objetivo de se valerem do poder que esses cargos lhes dão, porque esses não são verdadeiramente políticos, mas sim usurpadores do poder. Porém, da mesma forma, não temos também que ter nesses cargos simples técnicos que, por vezes, sofrem de miopia que os impede de enxergar além de suas especialidades e não sabem que seu papel é, além da técnica, o de colocar a técnica a serviço dos objetivos políticos que é o bem daquela coletividade.

A sociedade moderna reclama maior coerência, consciência e respeito por suas necessidades e potencialidades, bem como reclama que a política seja colocada em seu devido lugar e que não seja negligenciada, pois desdenhar e negligenciar a política, só é bom para quem quer o espaço livre para usurpá-la. Os cargos políticos devem ser ocupados por políticos sim, mas por bons políticos, que tenham consciência de seu papel; que saibam conciliar a técnica com a política, ainda que tenha que se valer de assessoria especifica para que essa técnica seja implementada; que saibam ouvir o povo e que coloquem em execução projetos que atendam a necessidade da coletividade; que saibam motivar a equipe que estiver sob seu comando; que saibam enxergar o que tem no presente e o que se pretende alcançar em um futuro próximo e também remoto; que sejam democráticos e visionários.

Os administradores públicos não são bons se são menos políticos e mais técnicos, eles são bons se são comprometidos com o seu dever, se sabem respeitar a coisa pública, se entendem que sua estadia na vida política é passageira, se se esforçam para agirem com competência e honestidade, se abrem espaços para que a democracia e a representatividade popular prevaleça, se no período que ali estiverem, sirvam a comunidade e coloquem a técnica a serviço da política e do bem comum e não como um fim em si mesma. Temos que ter em mente que eleição não é disputa de poder, nem competição entre forças políticas, nem arena onde há vencidos e vencedores. Eleição é oportunidade democrática que temos para decidir nosso futuro, para cobrar posições e ações que atendam com maior eficácia o bem comum e que se coadunem com as exigências mais prementes da sociedade. Se entendermos isso, nunca mais vamos falar que queremos "técnicos" e não "políticos", porque entenderemos qual é o verdadeiro papel do político.

Colocar-se contra a política e contra a lotação de cargos por bons políticos é colocar-se contra o esforço de gerações inteiras que lutaram contra ditadores e totalitaristas. Colocar-se contra os políticos é incentivar que oportunistas usurpem o poder pelo poder, ou seja, é dar espaço para políticos ruins, que desprezam o valor e a importância da verdadeira política, para que assumam o comando da coisa pública. Carecemos de lideranças verdadeiras; carecemos de políticos bons; carecemos do entendimento sobre esses conceitos; carecemos de líderes capazes de se solidarizar com os mais fracos, com as minorias e que tenham coragem de eliminar injustiças e desigualdades; carecemos de um povo que cobre que seus políticos cumpram o seu verdadeiro papel que, entre outras coisas, é o de não desprezar a política e de não enganar o povo de que mudanças boas acontecerão com "técnicos" e não com políticos; carecemos de bons críticos e de uma sociedade que entenda que criticar não é destruir, competir, odiar, mas sim exercitar seu papel de apontar, pedir, dizer o que pensa como certo ou errado, com a intenção de ser ouvido e de participar do processo civilizatório democrático.

Sejamos dignos, cobremos posições dignas de nossos políticos, cobremos que tenham a generosa capacidade de trabalhar pelo público e de serem verdadeiramente políticos sem enganações ou subterfúgios e lembremos sempre que político honesto se apresenta como político e não como técnico.
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MARILENA MATIUZZI é advogada e ex-vereadora de Salto

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