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Brasileiro gosta de fila? Dia a dia mostra que encará-la vai além da preferência

A fila faz parte da rotina dos brasileiros, e não é de hoje. Tem fila para tudo: para pagar as compras no supermercado, para entrar no ônibus, para tomar vacina, para abastecer o carro, para entrar no restaurante. Tem até fila para poder enfrentar outra fila, como acontece nos bancos, por exemplo - a espera começa do lado de fora das agências.

Por Wellington Caposi em 01/07/2021 às 03:59:34

A fila faz parte da rotina dos brasileiros, e não é de hoje. Tem fila para tudo: para pagar as compras no supermercado, para entrar no ônibus, para tomar vacina, para abastecer o carro, para entrar no restaurante. Tem até fila para poder enfrentar outra fila, como acontece nos bancos, por exemplo - a espera começa do lado de fora das agências e continua dentro desses espaços, com o direcionamento das pessoas para os setores, de acordo com a necessidade de cada um. Mesmo com as recomendações sanitárias de se evitarem aglomerações durante a pandemia e com o investimento das empresas para oferecer os serviços em plataformas digitais, basta dar uma volta pela cidade para constatar que as filas continuam a existir por aqui.

A afirmação de que brasileiro gosta de uma fila é simplista, como destacou a psicóloga Renata Borja. "Há várias situações, e a gente não pode generalizar numa questão só. O brasileiro gosta de fila só porque gosta? Não, há muitas coisas envolvidas", pontuou. Ela observa que nós somos, sim, um povo que gosta de se conectar com outras pessoas, de conversar, e de fazer amizades até mesmo nas filas. "É uma forma talvez que as pessoas tenham de iniciar uma conversa. Isso pode acontecer? Pode! Eu já vi casos de gente que conheceu o marido em uma fila. A pessoa, enquanto está lá, esperando, vai conversando com quem está ali também", afirmou a psicóloga, frisando que há outros motivos que levam uma pessoa a enfrentar uma fila, e isso não necessariamente por gostar de estar em uma. Os bancos, inclusive, são locais onde normalmente há filas. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) tem orientado as pessoas, durante a pandemia, a usarem os canais digitais das instituições bancárias e a procurarem atendimento presencial só em casos excepcionais. Na manhã dessa quarta-feira (30), alguns pontos de Belo Horizonte e encontrou pessoas, nas portas de agências, aguardando atendimento bancário.

Na unidade da Caixa localizada na avenida Abílio Machado, no bairro Glória, na região Noroeste da capital, um pequeno grupo já se reunia na entrada do banco por volta das 7h30, aguardando a abertura da agência, prevista para as 8h. O auxiliar de serviços gerais Michael Almeida de Martins, de 31 anos, era o primeiro da fila e contou que havia chegado ali fazia algum tempo. "Vim pegar meu auxílio (emergencial)", disse ele, referindo-se ao benefício pago pelo governo federal, que ele pretendia sacar na boca do caixa - serviço que só é feito presencialmente. O auxílio emergencial também levou o pintor autônomo José Natalino da Silva, de 65 anos, até a agência da Caixa nessa quarta-feira. "Tenho que receber, e está marcado para hoje (ontem)", contou. "Não mexo com internet, não. Nem sei mexer. A maioria das pessoas da minha casa não sabe mexer, e as coisas ficam mais difíceis para quem não tem instrução", comentou ele.

Dois lados da mesma moeda

As situações relatadas se contrapõem à pesquisa divulgada em junho pela Febraban, que aponta que, em 2020, por causa da pandemia, pela primeira vez, as transações bancárias realizadas pelo celular representaram mais da metade (51%) do total das operações feitas no país - chegou a R$ 52,9 bilhões, ante R$ 37 bilhões em 2019. De acordo com o levantamento, os canais digitais (internet banking e mobile banking) concentram 67% de todas as transações (R$ 68,7 bilhões) no país e são responsáveis por oito em cada dez pagamentos de contas e por nove em cada dez contratações de crédito. Para a psicóloga Renata Borja, outros dois pontos podem ser levados em consideração para justificar a presença de um grande número de pessoas nas agências bancárias. "Mesmo tendo acesso à internet e aos canais digitais, a pessoa pode ter certa ansiedade para solucionar a demanda e ter garantia de que aquilo foi mesmo resolvido. E talvez por certa desconfiança, por acreditar que virtualmente aquele problema pode não ser solucionado, e querer ter a garantia de que aquela demanda vai ser resolvida de verdade", ponderou.

Resolução de problemas

Por mais que os bancos disponibilizem serviços de atendimento pela internet e pelo telefone, alguns assuntos só são resolvidos presencialmente. E a orientação de procurar uma agência vem da própria instituição, como é o caso da diarista Eliane Gomes, de 58 anos, que ontem também foi parar em uma fila, em Belo Horizonte. Ela relatou que estava com um problema na senha e que, por isso, não conseguia usar o Pix. "Eu tentei resolver pelo telefone, mas a atendente da Caixa não conseguiu resolver e falou para eu vir à agência", contou. Também por recomendação do banco, o engenheiro Maurivan Pereira, de 24 anos, aguardava atendimento nessa quarta-feira: "Eu vim resolver um problema do Fies, que não consegui resolver pelo e-mail nem pelo telefone".

Acesso à internet

A falta de acesso à internet é outro fator que deve ser levado em consideração ao se analisar o consumo de produtos digitais no Brasil, como é o caso do pintor José Natalino da Silva. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2019, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e divulgada em abril deste ano, aponta que 40 milhões de pessoas no país não têm acesso à rede. Nos 12,6 milhões de domicílios em que não havia utilização da internet, os três motivos que mais se destacaram foram: faltava interesse em acessar a internet (32,9%); serviço de acesso à internet era caro (26,2%); e nenhum morador sabia usar a internet (25,7%). Já em 6,8% das residências os moradores disseram que não havia disponibilidade de rede na região e 5% citaram o alto custo do equipamento eletrônico para conexão.

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