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Familiares de dissidentes tunisianos presos recorrem ao Tribunal Penal Internacional

Nesta quinta-feira (5), familiares de advogados e políticos presos na Tunísia fizeram um apelo ao Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, buscando uma investigação sobre casos de perseguição política e violações dos direitos humanos.

Por Wellington Caposi em 05/10/2023 às 19:09:28

Nesta quinta-feira (5), familiares de advogados e políticos presos na Tunísia fizeram um apelo ao Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, buscando uma investigação sobre casos de perseguição política e violações dos direitos humanos. Essa ação ocorre em um momento em que mais opositores do presidente Kais Saied estão sendo presos, com alguns deles recorrendo à greve de fome. As informações são da agência Associated Press.

Os familiares estão acusando Saied e membros de seu governo de violações ocorridas em campanhas de perseguição direcionadas contra líderes e partidos da oposição, tunisianos negros e migrantes, juízes, sindicatos, jornalistas e a sociedade civil.

Yusra Ghannouchi, cujo pai, o líder da oposição Rached Ghannouchi, está preso, se juntou aos filhos e filhas de outros dissidentes detidos para expressar sua intenção de levar o caso ao TPI.

O presidente da República da Tunísia Kais Saied em 2019 (Foto: WikiCommons)

Membros do mesmo grupo já apresentaram um caso semelhante ao Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos no início deste ano.

O advogado das famílias explicou em coletiva de imprensa nesta quinta que há dois tipos de crimes que precisam ser investigados. "Aqueles contra pessoas que são apontadas porque são opositores dos atuais governantes e, em segundo lugar, migrantes negros e tunisinos negros alvo de uma onda de repressão brutal".

Pelo menos 41 dos principais críticos do governo foram presos em uma ação para reprimir a dissidência. Isso levantou preocupações de que o país do Norte da África, que uma vez foi visto como a única democracia a surgir da Primavera Árabe, possa estar caminhando de volta para uma autocracia.

Hostilidade vertiginosa

O anúncio da ação no TPI dá um panorama do ambiente político cada vez mais repressivo que surgiu na Tunísia desde a revisão da constituição em 2021, que permitiu que Saied ampliasse seus poderes, suspendesse o parlamento e governasse principalmente por meio de decretos. Com a economia do país enfrentando desafios, o governo prendeu inúmeros críticos e incentivou a hostilidade contra migrantes negros, o que, em alguns casos, levou a episódios de violência.

O grupo deve entregar ao promotor do TPI documentos que expliquem alegações relacionadas a pelo menos um dos quatro tipos de crimes que o tribunal investiga: genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra ou crimes de agressão.

Nas últimas semanas, políticos detidos na Tunísia realizaram greves de fome em protesto contra o que a equipe de defesa de cinco grevistas descreveu como “um processo judicial injusto que resultou em suas prisões”.

O advogado da equipe reconheceu que seria “desafiador” garantir que o Tribunal Penal Internacional iniciasse a investigação. No entanto, no passado, queixas apresentadas sob o Artigo 15 do Estatuto de Roma do TPI foram investigadas pelo promotor, incluindo casos de violações dos direitos humanos em Mianmar.

Por que isso importa?

A instabilidade política na Tunísia se intensificou no final de julho de 2021, quando Saied destituiu o primeiro-ministro Hichem Mechichi, suspendeu as atividades do Parlamento e concentrou em suas mãos quase todos os poderes do Estado.

Além disso, Saied suspendeu a imunidade parlamentar dos legisladores e assumiu poderes judiciais. No dia 14 de julho, antes de derrubar o governo, ele também ordenou a abertura de uma investigação contra três partidos políticos suspeitos de receberem fundos estrangeiros antes das eleições de 2019, na qual ele saiu vitorioso.

A intervenção de Saied, que colocou em xeque os avanços democráticos do país conquistados desde a Primavera Árabe, em 2011, se segue a anos de crise econômica e inércia política, a que se soma a pandemia de Covid-19 e um processo de vacinação popular lento.

Nos últimos dez anos, o país acumulou problemas. Teve dez primeiros-ministros diferentes, que falharam em combater a corrupção e em estabilizar economicamente o país. Novato na política, o jurista Saied era uma aposta dos tunisianos para mudar a situação. O discurso anticorrupção e a rejeição ao sistema político tradicional permitiram a ele vencer o pleito com mais de 70% dos votos.

No dia 24 de julho de 2021, um dia antes de Saied derrubar o governo, os tunisianos foram às ruas protestar mais uma vez. Veio, então, a queda do primeiro-ministro e a suspensão do Parlamento. Para os partidos de oposição, sobretudo o Ennahda, as ações do presidente configuram um golpe de Estado.

A favor de Saied sempre pesou o apoio do exército, que já agiu para impedir o acesso de deputados e outros representantes populares ao Parlamento. A população desde então se divide entre apoiar e contestar as medidas.

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