Para as famílias que residem no Recanto Beira Rio, em Indaiatuba (na divisa entre Salto e Indaiatuba), o sonho da casa própria acabou se tornado um verdadeiro pesadelo sem nenhuma previsão para acabar. Segundo a prefeitura de Indaiatuba, o loteamento está localizado numa área rural onde não poderia haver parcelamento de lotes e o terreno em questão foi dividido em 82 lotes menores, que foram comercializados em 2019 aos moradores. Cada um desses lotes custou entre R$ 80 mil e R$ 90 mil reais na época. Uma ação da prefeitura de Indaiatuba, com a justificativa de parcelamento indevido de solo, a administração obteve uma liminar na Justiça autorizando a retirada dos moradores e demolição das casas no loteamento.
De acordo com os residentes, os terrenos foram colocados no mercado por três homens, a quem acusam de ter aplicado golpes: Antônio Carlos dos Santos, Daniel Teodoro da Silva e Ralf Vilas Boas Berbel. Segundo a advogada dos moradores, Dra. Josiane Martins, uma consulta ao Tribunal de Justiça revelou que os três respondem por parcelamento de solo também em outros municípios.
"Eles [vendedores] falam que tudo está ok. No início, falavam que estava tudo regular, e hoje eles fogem das responsabilidades. Eles simplesmente aparecem para cobrar as pessoas que ainda devem parcelas, isso eles fazem, mas as responsabilidades em relação a tudo que eles fizeram, eles se eximem de tudo", explica Josiane.
Insegurança
Ainda que a advogada dos moradores tente um novo recurso, uma decisão publicada pela Justiça na última quarta-feira (14) manteve a decisão de demolir as construções já existentes, o que preocupa ainda mais moradores como o Juraci da Silva, de 67 anos. Aposentado, ele deu a casa em que morava como entrada para adquirir um lote de 5 mil m² no local. "Aonde que eu vou comprar outra casa? Sem dinheiro? Porque o dinheiro que eu tinha, eu investi aqui. Não tenho dinheiro para comprar nada. Se a prefeitura legalizasse para gente, a gente pagava o IPTU, tudo certinho. Pronto. Cada um pagava o seu e ninguém ficava mais irregular", afirmou.
Laudo Técnico
Como o loteamento irregular Recanto Beira Rio faz fundos com a represa da Estação de Captação de Água Bruta do Ribeirão Piray, responsável por 80% da captação de água bruta de Salto, a prefeitura de Salto enviou um documento à prefeitura de Indaiatuba, cujo anexo continha um laudo relatando uma vistoria, acontecida na manhã de 6 de janeiro de 2021, por uma equipe da Secretaria do Meio Ambiente e do SAAE para verificar o entorno da represa do Ribeirão Piraí. Num dos itens, o laudo é bem explícito:
"O Ribeirão Piraí é o principal manancial de abastecimento do município de Salto e o município de Indaiatuba também faz a captação de água para abastecimento público neste Ribeirão. É sabido que um manancial de abastecimento deve produzir água em quantidade e qualidade para que possa ser disponibilizado para a população e um dos fatores que favorece a preservação das propriedades físico-químicas da água é a presença da mata ciliar no entorno do curso d"água. Em vistoria constatou-se que a mata ciliar da represa de captação que está no município de Indaiatuba está sem proteção, com a presença de gramíneas e algumas intervenções irregulares como presença de casas de alvenaria, benfeitorias e estacas com a demarcação de lotes. Lembrando que de acordo com o Art. 13, inciso XI, alínea c, do Plano Diretor Municipal de Salto (Lei Municipal nº 3.783/2019) é necessária uma Área de Preservação Permanente em faixa mínima de 50 metros lineares no entorno do Ribeirão Piraí."
A própria prefeitura de Indaiatuba, em cujo território fica a área, colocou uma placa com os dizeres "LOTEAMENTO CLANDESTINO - PROIBIDO A COMERCIALIZAÇÃO DE LOTES OBRAS EMBARGADAS", mas o que se percebe visitando o local, são vários lotes demarcados; alguns vazios outros com casas de alvenaria já construídas; algumas obras em andamento e moradores já estabelecidos no local.
O fato do loteamento às margens da represa do ribeirão Piray, isso certamente representa um risco para a cidade de Salto. Visitando o local, percebe-se visivelmente o desmatamento da mata ciliar à beira do ribeirão Piray, o que pode contribuir para o assoreamento da represa com o passar do tempo. Com o aumento do número de moradores, a tendência é que o esgoto das moradias - hoje fossas rudimentares - contamine os lençóis freáticos e, por conseqüência, carreadas para a represa. Isso poderá prejudicar a qualidade da água que hoje - e também no futuro - é disponibilizada para Salto e Indaiatuba.
Outras irregularidades do loteamento:
Outra questão legal é que a propriedade loteada é uma propriedade rural que não poderia ser loteada, senão em lotes únicos de 20.000 m². Em conformidade com o artigo 8º da Lei Federal nº 5.868/72, essa é a fração mínima de parcelamento que a lei permite para desmembramento ou para constituição de um novo imóvel rural. O parcelamento de solo feito pelos loteadores no local constitui-se de lotes com aproximadamente 1.000 m², e isso está em total desacordo com o que é estabelecido pela legislação para os municípios de Salto e Indaiatuba.
Outra agravante que também foi constatada que alguns destes lotes foram subdivididos em uma área imprópria para uso pois estão abaixo do linhão de energia da CPFL e não é permitido a construção de nenhuma edificação em baixo de linhas de alta tensão.
O que diz a prefeitura de Indaiatuba?
Em nota, a Prefeitura de Indaiatuba reafirmou que o loteamento não poderia ter sido feito no local e que, por isso, as famílias devem ser retiradas, o que pode acontecer a qualquer momento. A administração destacou, ainda, que as denuncias tem chegados a eles desde 2019. A prefeitura afirma ter orientado os moradores sobre a irregularidade do terreno em diversos momentos e por isso, a administração de Indaiatuba acredita que os residentes estavam cientes dos riscos de permanecer ou construir no local.
O TERRATAVARES ligou para um dos vendedores, em janeiro de 2021, que ficou de retornar a ligação, mas isso não aconteceu até o momento.
Fonte: EPTV/G1