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Bacalhau: o patrimônio norueguês e presença obrigatória na Páscoa

A paisagem dominada pelo branco da neve nas montanhas e pelo azul cristalino do mar serve de colírio aos olhos, enquanto um vento frio e úmido toca a pele.

Por Tom Luiz em 16/02/2024 às 17:47:37

De Lofoten a Älesund

É em Älesund que a maior parte das fábricas está localizada. São dois dias de barco de Lofoten até o peixe, agora congelado, chegar à cidade que fica ao sul do país. Ao ser recebido, ele é descongelado em tanques com água do mar em temperatura de zero a 4 graus (a mesma de seu hábitat). Isso permite a manutenção de sabor, textura e aroma da carne.

Uma fábrica chega a utilizar mais de 20 toneladas de sal por dia.

Uma nova e minuciosa limpeza é feita, portanto, de modo que sua coloração fique inteiramente branca, sem marcas de sangue ou qualquer outra. Na sequência, vai para a salmoura concentrada por, aproximadamente, duas semanas. Depois é lavado e disposto em paletes intercaladamente: uma camada de sal, outra de peixe. O peso da pilha ajudará na desidratação da carne que fica embaixo. Por isso, há rodízio entre os peixes para que todos sofram a mesma pressão e atinjam resultado semelhante. Por fim, o bacalhau é seco em uma câmara.

O peixe perde cerca de 40% de seu peso durante o processo de salga e secagem.

As análises visual e da textura são feitas uma por uma e determinam se o produto está, finalmente, pronto. "Não há uma regra exata. Sabemos ao olhar a firmeza do peixe, ao pressionar a carne.", diz Johannes Stette Høyberg, da Jacobs Bjørge. Todo o processo dura pelo menos seis semanas, mas pode ser estendido conforme a demanda do mercado. Para chegar ao Brasil, a viagem demora 40 dias e, por isso, o peixe que chegará à mesa no Natal começa a ser preparado em meados do ano.

Compromisso com a sustentabilidade

Quem vê a fartura de bacalhau no mar norueguês logo é assombrado pela dúvida em relação ao futuro da espécie. Como o peixe só aparece nos meses mais gelados do ano, não há necessidade de determinar um período de defeso. Porém, nem por isso a Noruega deixa de fiscalizar o trabalho dos pescadores. Cada trabalhador recebe um número máximo que pode pescar. Esse valor é determinado de acordo com o tamanho do barco e a quantidade de pessoas que ali trabalham. Sendo que, quando o limite é atingido, uma bandeira é içada informando a todos que os trabalhos estão encerrados naquela temporada.

Tudo se aproveita do bacalhau. A pele pode virar pururuca, as espinhas e os ossos dão sabor a caldos, a barriga é ótima para bolinhos, e o lombo é servido em postas. A língua e a bochecha são consideradas iguarias, assim como as ovas, que podem ser transformadas em bottarga ou caviar. Do fígado, é extraído o óleo. A cabeça vai para países da África, como a Nigéria, e os miúdos, para a Ásia.

Para definir esses números, usam-se como base os dados divulgados anualmente pelo Conselho Internacional para a Exploração do Mar (Ices). É ele que determina as cotas de pesca de cada espécie marinha. Em 2016, por exemplo, o número permitido para o bacalhau era de 894.000 toneladas, divididas entre Noruega e Rússia. Além disso, o país nórdico criou um sistema de rastreamento para garantir o futuro do bacalhau. Assim, controla a natalidade e traça metas para que os estoques sigam renovados e em bons níveis.

Onde comer na Noruega

O bacalhau ganha diferentes formas à mesa norueguesa. Quando fresco, pode ser acompanhado de vegetais cozidos. Se salgado e seco, é escoltado também por bastante azeite e bacon. Enquanto a língua é servida como petisco, ao ser empanada e frita.

Lofotmat

Da cozinha comandada pela chef Siv Hilde Lillehaug, no Lofotmat (@lofotmat), saem receitas que ela aprendeu com a mãe e com a avó, caso do caviar de bacalhau com sabor defumado. O espaço nasceu em 2010, como uma delicatéssen. Mas há quatro anos compõe a lista de cinco restaurantes da pequena cidade de Henningsvaer. O menu é sazonal, porém se você estiver com sorte, encontrará o excelente Gadus morhua fresco acompanhado de molho de cenoura, purê de batata e bottarga. "O peixe é cozido a no máximo 48 graus, assim ele fica macio e desmanchando em lascas.", diz a cozinheira. Não dispense o pão de fermentação natural do couvert. Ele é preparado todas as manhãs pelo marido de Siv Hilde.

Bacalao

Em Svolvaer, o restaurante Bacalao (bacalaobar.no) serve uma receita autêntica norueguesa, mas que não esconde a influência da cozinha portuguesa. É o guisado de bacalhau salgado e seco com tomate, azeitonas, azeite e bastante pimenta-preta.

Lofoten Food Studio

A pouca distância dali, em Ballstad, o chef Roy Magne Berglund deu vida a um velho sonho: receber pequenos grupos na própria cozinha. No anexo construído ao lado de sua casa, o Lofoten Food Studio (lofotenfoodstudio.no), Roy faz o papel de sommelier, garçom e, claro, cozinheiro. Espere por pratos contemporâneos, autorais e surpreendentes. É necessário fazer reserva.

Klippfiskakademiet

Seguindo o mesmo conceito, a (klippfiskakademiet.no) está localizada ao lado do aquáriKlippfiskakademiet o de Älesund, o Atlantic Sea Park. Sua programação inclui aulas de culinária e cooking shows diversos. O Bacalao Tasting Experience é ideal para quem quer conhecer mais sobre o pescado e ter inspirações na hora de cozinhá-lo.

Um dos preparos mais interessantes servidos ali foi feito com as aparas ainda salgadas e secas do bacalhau. Elas foram processadas e fritas até ficar bem secas. Depois, finalizaram e deram sabor à manteiga do couvert. Outra ideia é processar ainda mais as aparas até que fiquem parecendo farinha. Então, é só utilizar em diferentes receitas esse "pó de bacalhau salgado e seco" em vez do sal.

*A reportagem viajou a convite do Conselho Norueguês da Pesca

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